O que é Experiência Elementar?
Por :Prof. Dr. Miguel Mahfoud – UFMG
Termo cunhado por Luigi Giussani
(2004 e 2009) – designa o ímpeto original que está na base de todo gesto ou
posicionamento humano, pelo qual a pessoa pode reconhecer suas exigências
fundamentais (de felicidade e de justiça, por exemplo) e também reconhecer
evidências fundamentais (como a da própria existência e a de uma realidade que
a transcende). A “experiência elementar” assim definida fornece critérios de
avaliação que permitam chegar a juízos pessoais a respeito da correspondência
entre tudo o que o sujeito encontra no mundo e na história e os anseios que
constituem sua própria pessoa.
A hermenêutica da existência humana –
que permite apreender essa dimensão fundante e constitutiva de cada pessoa –
está baseada na linguagem do ato humano, capaz de clarear o elemento originário
do sujeito do ato (SCOLA, 2003).
Neste sentido, a intersubjetividade e
a história são campos privilegiados de explicitação do original no humano e
podem por ele serem modulados. Tal posição teórica contém, em germe, uma
possibilidade de superação do moderno dualismo sujeito-mundo (SCOLA, 2003). Uma
das conseqüências estaria no próprio conceito de cultura, tido agora como
processo de construção coletiva e histórica portadora de provocações à dimensão
pessoal de cada ser humano; cultura esta que só pode ser constituída por
tomadas de posição pessoais e nunca por processos mecânicos característicos de
processos civilizatórios. Na cultura assim considerada, a realidade física e a
história são campos de construção do mundo-da-vida coletivo na medida em que
são campos de explicitação do original no sujeito de atos no mundo. Lugar de
destaque nesta mesma discussão é o da linguagem (GRYGIEL, 2000, 2004; GIRARDI,
2002).
Outra conseqüência importante se
refere à possibilidade de liberdade para a aplicação de critérios de juízos
críticos por parte do sujeito da ação frente a qualquer fenômeno. Sem negar o
enorme campo de determinação histórico-cultural, a experiência elementar
permite a crítica em relação à própria cultura e própria história coletiva e
pessoal (SCOLA, 2003; GRYGIEL, 2004).
Tal discussão proporciona uma
contribuição original à já clássica tese do fim do sujeito na atual fase da
contemporaneidade, redimensionando a centralidade do sujeito nos processos
sociais e históricos e em toda ação concreta – esta vista como tomada de
posição pessoal.
Mais radicalmente ainda, a
experiência elementar permite a compreensibilidade de si mesmo por parte do
sujeito da ação. Assim, na possibilidade e na urgência de se apreender a
subjetividade pessoal, única e irrepetível, os conceitos de experiência e de
pessoa vêm a ser revisitados. Acentua-se, assim, o caráter teleológico de cada
ação, de cada experiência e de cada vivência de desejo na pessoa. Tal caráter
teleológico, insere cada experiência pessoal numa relação eu-tu, numa cultura e
numa história como condição para a realização humana do próprio sujeito (DI
MARTINO, 2008; GRYGIEL, 2003; SCOLA, 2003).
Para a psicologia se abre um
importante campo de revisão dos conceitos de pessoa e experiência, permitindo
inclusive uma releitura da história cultural quanto às compreensões dos
processos de percepção de si mesmo característicos de cada cultura ou momento
histórico, tematizando de modo original o lugar das funções psicológicas na
apreensão da pessoalidade (MASSIMI & MAHFOUD, 2007; MAHFOUD & MASSIMI,
2008; GASPAR & MAHFOUD, 2006)
O conceito de experiência elementar
amplia a acepção de experiência utilizada pela Psicologia e em muitos casos
reduzida nos moldes de um modelo naturalista, recolocando em seu âmago a
centralidade do sujeito experiente e de sua relação com o mundo.
Desse modo, a simplicidade e
amplitude do conceito de experiência elementar permitem à consideração de
diversas concepções de experiência e de pessoa reconduzindo-as a elementos
fundantes identificáveis e possibilitando a convivência com diversidades
teóricas.
Essa característica do conceito de
experiência elementar no campo teorético é identificável também nos campo da
cultura: permite o exame e a convivência entre culturas entre si muito diversas
na medida em que sejam expressões do humano reconhecido na ação, por critérios
originários. A experiência elementar possibilita colocar em foco a origem da
diversidade. Tal discussão tem colocado um novo ponto de elaboração na relação
entre relativismo e convivência multicultural (PRADES, 2008).
A mesma simplicidade e amplitude da
experiência elementar aqui considerada permite a retomada – como experiência,
no sujeito em ação – da clássica unidade entre justiça, verdade e beleza, com
força de evidência de seu valor de bem (SCOLA, 2003, GRYGIEL, 2004). Além de
importantes conseqüências para o âmbito da ética e do direito (CARTABIA, 2008),
essa discussão tem sido encaminhada por cientistas de diversas áreas do saber
quanto a critérios de verdade em relação estreita com a beleza, por exemplo
(GIRARDI, 2002); e sobre a inevitável participação da subjetividade na
constituição de um conhecimento que se quer objetivo (BERSANELLI, 2003).
Referências
bibliográficas
BERSANELLI, M. Solo lo stupore conosce: l’avventura della ricerca scientifica. Milano:
Rizzoli, 2003.
CARTABIA, M. Diritti umani e
pluralità delle culture: um percorso possibile. In: PRADES, J. (Org.). All’origine della diversità: le sfide del muticulturalismo. Milano: Guerini,
2008, pp. 33-47.
DI MARTINO, C. L’incontro e
l’emergenza dell’umano. In: PRADES, J. (Org.). All’origine della diversità: le sfide del muticulturalismo. Milano: Guerini,
2008, pp. 85-103.
GASPAR, Y.E. & MAHFOUD, M. Uma
leitura histórica do conceito de experiência e uma proposta de compreensão do
ser humano em seu caráter essencial: experiência elementar e suas implicações
para a Psicologia. Anais
do III Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos & V
Encontro de Fenomenologia e Análise do Existir em São Bernardo do Campo, 2006. São Paulo: SE&PQ; UMESP, 2006.
Disponível emhttp://www.sepq.org.br/IIIsipeq/anais/pdfs/pchf11.pdf
GIRARDI, E. N. Letteratura e belezza. Il Nuovo Areopago. Forlì, ano 21, n.2, p. 18-24, 2002.
GIUSSANI, L. Educar é um risco: como criação de personalidade e de história.
Tradução de N. Oliveira. São Paulo: EDUSC, 2004.
GIUSSANI, L. O Senso Religioso. Tradução de P. A. Oliveira. Brasília: Universa,
2009.
GRYGIEL, S. L’uscita dalla caverna e
la salita al Monte Moria: saggio su natura e civiltà. Il Nuovo Areópago. Forlì, ano 19, n. 2-3, abr-set, p. 25-61, 2000.
GRYGIEL, S. Per comprendere l’altro
bisogna essere se stesso. Il
Nuovo Areópago. Forlì, ano 22, n.2-3, abr-set, p.
20-31, 2003.
GRYGIEL, S. Esperienza Primordiale.
Apresentado no Seminário “Esperienza elementare, rivelacione e dialogo con le
culture” promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense a 21 e 22 de junho
de 2004 em Roma, Itália.
MAHFOUD, M.; MASSIMI, M. A pessoa
como sujeito da experiência: contribuições da fenomenologia. Memorandum, Belo Horizonte, v. 14, p. 52-61, 2008.
MASSIMI, M.; MAHFOUD, M. A pessoa
como sujeito da experiência: um percurso na história dos saberes psicológicos. Memorandum, Belo Horizonte, v. 13, p. 14-30, 2007.
PRADES, J. (Org.). All’origine della diversità: le sfide del muticulturalismo. Milano: Guerini,
2008.
SCOLA, A. L’Esperienza Elementare. Milano: Marietti, 2003
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